domingo, 9 de dezembro de 2007

071206: Idiocracy


(Idem, E.U.A., 2006) de Mike Judge

Cotação: KKK

Uma das particularidades mais estimulantes do blog enquanto meio de expressão é o fato de que ele se constrói diante dos olhos de seus leitores. O acaso dita muito de sua composição e o encadeamento dos tópicos está sempre sujeito à influência da realidade cotidiana do autor e do feedback dos leitores. Isso posto, cedendo aos apelos do acaso, resolvi iniciar a postagens de minhas críticas pelo filme a que assisti ontem. Trata-se da comédia de ficção-científica Idiocracy (Idem, E.U.A., 2006, 84 min.), de Mike Judge.
Uma das particularidades mais estimulantes do cinema enquanto meio de expressão é o fato de que ele permite a construção de uma realidade alternativa àquela do “mundo real”, podendo transformar em sons e imagens “realistas” a mais delirante fantasia. Isso posto, não é de se estranhar que a ficção-científica no cinema preservou e fez florescer ainda mais a tradição literária das distopias futuristas. Idiocracy é o mais novo fruto dessa árvore, cuja genealogia remonta à Julio Verne.
Na literatura, as visões distópicas do futuro da humanidade já deram origem a alguns clássicos da ficção, como 1984, de George Orwell e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. O primeiro ganhou uma adaptação cinematográfica que, se não o desonra, não chega a acrescentar-lhe nada. Quanto à desastrosa adaptação para o cinema do segundo, nem vale a pena comentar. Apesar disso, já houve transposições mais felizes para o cinema de clássicos da literatura futurista distópica, como a versão deliciosamente camp de A Máquina do Tempo, de H.G. Wells, que George Pal dirigiu em 1960, além de boas adaptações do universo do escritor Phillip K. Dick, que teve seu conto Do Androids Dream of Electric Sheep transformado na obra-prima de Ridley Scott, Blade Runner. Mesmo com essas ressalvas, talvez seja forçoso reconhecer que os melhores exemplos de distopias futuristas no cinema venha de material original, desenvolvido diretamente para as telas, como é o caso das absolutamente geniais contribuições de Terry Gillian ao gênero, Brazil – O Filme e Os Doze Macacos e, mais recentemente, de Matrix.
Idiocracy surgiu de uma história escrita pelo próprio Mike Judge, que provavelmente já tinha intenção de levá-la às telas. Trata-se de uma versão satírica das ficções-científicas futuristas, contando a história de um arquivista do exército (Luke Wilson, o irmão menos famoso de Owen Wilson e um dos atores-fetiche de Wes Anderson) e de uma prostituta (Maya Rudolph, do programa humorístico Saturday Night Live) que, por circunstâncias absolutamente implausíveis, o que acaba não importando muito aqui, são congelados e acabam despertando 500 anos no futuro, num mundo que foi completamente dominado por idiotas.
Segundo a tese de Judge, como a taxa de natalidade é muito maior entre pessoas com menos instrução e menos capacidade intelectual, o mundo estaria assistindo a uma explosão demográfica de pessoas com baixo Q.I., de modo que, num futuro distante, uma inteligência meramente mediana se tornará uma raridade. No futuro no qual os protagonistas do filme despertam, mesmo as atividades mais básicas da vida social são desempenhadas de forma desastrosamente estúpida. As piadas decorrem todas, obviamente, da imbecilidade geral dos cidadãos, que acaba levando o recém-chegado homem do passado, mesmo sendo um sujeito medíocre em todos os aspectos, à condição de ser humano mais inteligente da Terra. O retrato da idiotia apresentado pelo filme é o que ressalta seu aspecto crítico: todos os cidadãos do futuro se vestem, agem e falam como um típico adolescente americano, com sua inspiração na cultura rapper e na latinidade e seu vocabulário absolutamente limitado.
Está claro, a intenção de Mike Judge é criticar a imbecilização geral à qual o mundo – e mais especificamente, os Estados Unidos – vem inquestionavelmente vem se submetendo. Não à toa, o filme foi dirigido por um verdadeiro especialista em identificar os aspectos mais boçais do cidadão médio americano: Judge foi o criador dos seriados de animação Beavis & Butthead, com seus adolescentes idiotizados pela televisão, e O Rei do Pedaço (King of the Hill), protagonizado por uma família texana conservadora e tacanha. Desse seu passado ligado ao cartoon, Judge traz para Idiocracy não apenas a irreverência e o sarcasmo do tema, como também o humor, que segue a lógica do desenho animado – como já ocorria, aliás, em seu filme anterior, o subestimado Como Enlouquecer seu Chefe (Office Space, E.U.A., 1999), em que a bola da vez era a imbecilidade dos escritórios e das corporações.
Assim, inserido na trajetória de um cara como Mike Judge, cuja carreira esteve sempre pautada pela denúncia da boçalidade da sociedade contemporânea (norte-americana, mas, por extensão, de toda o mundo ocidental), Idiocracy faz todo o sentido e tem até mesmo alguns bons achados cômicos, todos resultantes da idéia inicial de extrapolar as conseqüências a que podemos ser levados por um mundo em que apenas os idiotas sobrevivam. O presidente americano do futuro imaginado por Judge, por exemplo, é memorável: um truculento showman, misto de James Brown com lutador de luta-livre.
Infelizmente, apenas alguns achados cômicos não constituem um bom filme. As piadas e os bons desempenhos dos comediantes escalados para o elenco garantem uma diversão ligeira, mas a história em si e o desenvolvimento do argumento são sofríveis. A “mensagem” de Judge é válida e ele realmente tem um faro aguçado para reconhecer a imbecilidade de sua cultura, mas vacila na hora de transformar isso em um roteiro. Como um quadro num programa humorístico, Idiocracy seria genial. Como longa-metragem, acaba caindo nos clichês do humor fácil e rasteiro.
É uma pena que, protegido por seu álibi – afinal, como não esperar um humor estúpido a partir de um tema como esse – Mike Judge não tenha conseguido evitar que o seu próprio filme seja, também ele, vítima da mesma idiotice cultural norte-americana que busca criticar, essa que vêm dominando as comédias de Hollywood há quase duas décadas.

Idiocracy está disponível em DVD para locação no Brasil e está atualmente na grade do canal de TV a cabo Telecine.

Confira:
Idiocracy no canal Telecine
Links para download de Idiocracy via torrent

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